Pássaros ou passará? Para você, minha Hilda!

Ela me pediu para deitá-la, olhou-me com uma inocência de flor e a transparência de uma criança. "Nossa, Vovó, que olhos lindos a senhora tem, o fim da tarde os inveja!", não disse, claro, minha timidez para com o que amo imensamente é assim mesmo, escondida atrás de meus olhares. Pegava nas tuas mãos cheias de veias, tão branca a senhora era e tão marcada de cicatrizes da idade. A mão em si era tão macia, se encostasse ficava vermelha. "Ô minha bonequinha linda, não vá embora, não, fica mais um pouco", você dizia sempre, sempre e sempre. Meus olhos enchiam-se de lágrimas, mas muito menina ainda, eu era, não sabia direito o que era amor e ilusões da idade, sabia que te amava, mas não tinha noção que um dia poderia ir embora assim, tão rápido, feito pássaro me deixar. "Tenho que ir, vovó", eu dizia sempre, sempre e sempre. Nossa, que vontade que eu tinha de ver meus amigos e sair dali, mesmo sabendo que lhe amava, a minha ignorância era maior, eu preferia lugares cheios de vazio. Como eu pude ser tão cruel comigo e não aproveitar o amor que tinha em minhas mãos? O amor mais puro que reinava por mim, e eu, trocando cada vez mais por coisas banais. Talvez a vida seja essa, talvez essa seja a lição que carregamos nas costas. "Venha dormir aqui hoje, mamãe está estranha!", disse minha tia ao telefone com minha mãe. "Filha, vamos comigo para a casa de sua avó, hoje iremos dormir lá!". Sem medo nem receio, saímos de casa eram, mais ou menos, meia noite, pelas ruas vazias do nosso bairro.
"Oi, Vovó. Viemos dormir aqui, viu? Pode dormir sossegada!", eu disse, na segurança que o que os adultos estavam pensando nunca iria acontecer, afinal, aquela era a minha avó, meiga, doce, porque Deus a tiraria de mim? "Obrigada, minha bonequinha. Estou um pouco ruim, muitas secreções, mas obrigada por estarem aqui.", disse ela. "Pode dormir em paz, estaremos todas aqui. Qualquer coisa, pode balançar o sino!", beijei sua testa, como de costume, e fui tentar dormir. "Filha, acorde, vamos! Está quase atrasada para a escola.", mamãe me acordou. Mau humor era meu sobrenome pela manhã. Comi, sentei ao lado de vovó, que já estava na sala. "Bom dia, vovó, a "bença"?", "Deus te abençoe! Tá lindo o seu cabelo, minha bonequinha!", disse vovó. "Vão pro colégio, tá na hora. Vão, vão!", mamãe avisou. Ia saindo sem falar com ninguém, esqueci mais uma vez... "Dê tchau para sua vó, menina", disse mamãe. "Ops, ia esquecendo. Tchau, vovó. Volto já já.", "Tchau, minha netinha, felicidades!". Como todos os dias normais e pacatos, estava eu na escola, nem tão pacato, neste dia tiramos a professora de espanhol do sério. "Lara, sua mãe quer falar com você ao telefone!", disse a professora. "Oi mãe", "Lara, a sua vó não está mais aqui!". Parou, parou tudo. Onde eu estou? Cadê alguém? Estou só? Deus!!!!! "Pai, acabei de falar com a mãe, o que houve?", "Filha, sua vó morreu! Venha pra cá!". Não, espera, era isso mesmo? Eu simplesmente não queria acreditar, poxa, há três horas ela estava me desejando felicidades ao sair de sua casa. Vovó, eu disse que ia voltar, porque você não me esperou? Eu disse algo? Eu fiz o que, Vovó? Me perdoa, eu não sou a melhor neta do mundo, mas você era a primeira na lista de melhores pessoas do mundo para mim. Caramba, que balde de gelo. Que realidade dura. Eu, tão cheia de mim, tão dona do meu mundo, tão egoísta, estava sem chão! Meus portos seguros se comportaram como crianças em pranto. Eu me tornei a mãe, tomei conta de cada detalhe para que a última vez que eu visse a minha rainha da terra, ela estivesse serena, como sempre foi. Que linda a senhora estava naquela caixa de madeira. Ainda não compreendendo porque estava indo sem ao menos me esperar voltar. Te amei, te amo e para sempre irei te amar. Não sei se é saudade, mas é algo que dói no coração toda as vezes que lembro. Te acariciava, mesmo não estando mais naquela capa. Que serena, que rainha eras tu. Partiu digna de uma rainha para encontrar seu rei. Agora eu entendo o motivo que a senhora me olhava sem parar e eu dizia "o que foi, vovó?" e a senhora dizia "eu não quero ter que te deixar". 
Meu amor por você é azul, sua cor preferida. Meu amor por você é seu jeito, o que eu mais admiro. Meu amor por você é exemplo, o seu tão grande exemplo. Meu amor por você tem como motivo todas as partes que lhe formavam, por fora e por dentro. Seu amor é o meu amor. Que saudade indescritível desses olhinhos azuis, manchados de velhice, mas por dentro olhos de criança querendo amar o mundo: Saudade.
       
     

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